quarta-feira, 13 de julho de 2011

EDUCAÇÃO: Uma boa estrutura começa no alicerce

A mais nova demonstração de descaso com a qualidade da educação vem do Conselho Nacional de Educação, órgão do MEC, que tem o poder de estabelecer normas ao ensino, baseado nas leis que o regem.

Um desses documentos legais é a Resolução CNE/CNB n. 07 de 14/12/2010 que fixa as Diretrizes Curriculares Nacionais para o Ensino Fundamental de nove anos.

De acordo com o disposto no art. 30 desta resolução, a partir de 2012, será proibido a qualquer sistema de ensino, reter os alunos no primeiro e segundo anos da alfabetização. A justificativa é evitar o fracasso escolar, gerado, segundo alguns estudiosos, pela repetência.

A meu ver, um enorme engano. A repetência não é a causa do fracasso escolar, é o fracasso escolar que causa a repetência. Ao invés de combater as causas desse problema que atinge a educação, é mais fácil, mas muito desastroso, fingir que ele não existe, aprovando indiscriminadamente todos os alunos, amontoando-os em uma determinada série, onde o índice de retenção dará saltos gigantescos.

Não é difícil explicar porque essa visão sobre a repetência é um engano. Vamos fazer uma comparação que é muito comum no meio educacional: dizem que, assim como numa construção, os primeiros anos da alfabetização são o “alicerce” da vida escolar. Então, imagine um engenheiro civil permitir que seus mestres-de-obras construam as paredes, sem antes terminarem o alicerce. As dificuldades na construção tornam-se cada vez mais complicadas a cada etapa, até que, quando o telhado é colocado, tudo desaba, por falta daquele “tijolinho” no início do alicerce. É exatamente isso que ocorre quando um aluno é aprovado automaticamente de uma série para a outra; a diferença é que com seres humanos não dá para desmanchar e começar tudo de novo.

É preciso, entre outras inúmeras questões, fazer uma revisão do conceito de retenção. Repetir o ano sempre significou um castigo para aquele que não se esforçou o suficiente nos estudos. Mas, na verdade, a retenção é uma nova chance de encontrar o que se perdeu pelo caminho, apesar do esforço.

São tantas as questões responsáveis pelo fracasso escolar, que chega a ser um crime contra a sociedade, contra o futuro, simplificá-lo a um único item, a repetência; talvez seja o mais fácil de manipular, o que gera menos custos imediatos, mas deixar de oportunizar aos alunos a chance de construirem um alicerce escolar sólido, pode trazer consequências irreversíveis, como as que já estamos vivenciando, decorrentes da “progressão continuada”, que na teoria pode ser diferente de promoção automática, mas na prática não.

Acredito que alguns discordem da minha opinião, afinal, estamos num país “democrático”. Mas pensem: quanto mais tardia a oportunidade de recuperar o que se perdeu num ano escolar, maior será a chance de se fracassar nos estudos, e o que é pior, na vida.

Não estou dizendo que sou a favor da retenção indiscriminada, que é tão desastrosa quanto à “progressão continuada”, mas sim, que o professor precisa ter autonomia nesta decisão, para tomá-la a favor do sucesso escolar do aluno.

É inadmissível, no entanto, que pessoas com poucas, ou às vezes nenhuma experiência com a realidade de uma escola, tomem decisões tão cruciais para o futuro de nossas crianças. Alguns, podem até ter vivenciado situações didático-pedagógicas, na coleta de dados para suas pesquisas ou lecionado em faixas etárias maiores; podem até estar muito bem preparados para decidirem sobre muitas questões. Porém, a realidade dia-a-dia, ano-a-ano na faixa etária de crianças de seis a dez anos, é bem diferente das teorias e de algumas horas de observação.

Há onze anos trabalho com crianças, muitas situações que, no início da minha carreira via de uma forma, por conhecer apenas as teorias, que são sim, muito importantes; hoje vejo de outra, porque além da teoria, também conheço a prática, ou melhor, estou conhecendo, pois a experiência de cada dia faz aprender, transformar ideias, criar ideias novas e perceber o prejuízo que tais decisões, impostas, podem vir a causar para o futuro de nossas crianças, de nossa sociedade, de nosso país.

A retenção é sim um problema que precisa ser combatido, mas não desta forma, simplesmente aprovando os alunos. Precisamos de salas de aulas com menos alunos, de recursos didático-pedagógicos adequados, de escolas bem estruturadas e, acima de tudo, professores bem preparados, valorizados, que possam ter mais tempo para prepararem suas aulas e para estudarem. Fui repreendida certa vez, em uma reunião, ao levantar essas questões, sob a alegação de que a revisão destas não está ao nosso alcance e, que, portanto, as soluções para os problemas devem ser buscadas até onde conseguimos intervir. Concordo, precisamos superar as dificuldades sim, aliás, é o que temos feito sempre; mas, já estamos fazendo além do que permitem nossas forças. Entretanto, se as soluções para a melhoria do ensino não estão ao nosso alcance, precisamos, então, unir professores, alunos, sociedade, poder público e fazer a diferença! Só não dá para cruzar os braços e se calar diante dos rumos incertos da educação brasileira.

Educadora Andréia Morales Gonçalves Silva, com a colaboração da estudante de Pedagogia Elisangela Christienne Oliveira Ferreira

A resolução citada esta disponível no link:
http://portal.mec.gov.br/index.php?Itemid=866&id=14906&option=com_content&view=article